Uma boa ideia e disposição para trabalhar. Foi tudo que eles precisaram para superar grandes adversidades e mudar de vida
Patrícia Fonseca e Carolina Monteiro
Aos 70 anos, Odeíza faz planos para o seu futuro como empreendedora
Empreender. No dicionário: realizar, fazer. Para a soropositiva Sandra significa dignidade; para o deficiente físico Antônio é sentir-se útil; para a ex-presidiária Verônica, liberdade; para a idosa Odeíza, o direito de planejar o futuro; para o ex-catador de lixo Inaldo, esperança de dias melhores; para o analfabeto José, é a oportunidade de mostrar o seu valor. Muitas pessoas, muitos significados.
As personagens desta reportagem estão fora do perfil padrão do empreendedor brasileiro e também não conseguiriam ingressar facilmente no mercado formal de trabalho. Por oportunidade ou por necessidade, elas decidiram empreender. Deram vazão a boas idéias e escolheram uma atividade que, segundo a totalidade dos especialistas, não discrimina. "O espírito empreendedor está na pessoa. Não depende de perfil", dizem em uníssono.
Empresários do futuro
Aos 70 anos de idade, Odeíza Sales dos Santos está cheia de planos para o futuro. Em 2010, ela e outras 32 mulheres acima dos 60 anos vão desenvolver uma linha de produtos artesanais e decidir que melhor caminho darão para seu negócio. Ela e as colegas estão entre as 92 idosas que fizeram parte do projeto Empreendedores da Terceira Idade, do Instituto de Pesquisa da Terceira Idade (Ipeti).
O objetivo é qualificar os idosos para que eles possam aprimorar suas habilidades e a qualidade dos produtos, inserir a produção no mercado e ampliar sua renda. "Aprendi a trabalhar com perfeição e como é que se vende", conta. Odeíza vende seus produtos (colchas de cama, caminhos de mesa, bordados e panos de prato) na Casa da Cultura.
Pensionista da Aeronáutica, ela garante cerca de R$ 400 a mais na renda com o seu trabalho. De acordo com a coordenadora do programa, Verônica Ribeiro, 54% das participantes dos cursos já contam com melhoria em sua renda, através da interferência das atualizações em suas produções, como resultado das oficinas de vendas, design, criatividade, empreendedorismo, bordado e crochê, entre outras.
O negócio da liberdade
Ex-detenta, Verônica Gonçalves ensina as internas do presídio feminino
Outubro de 2005. Com o filho de apenas cinco meses nos braços, Verônica Gonçalves, 28 anos, foi presa ao desembarcar no Recife de um ônibus que vinha de Goiás, com 4,16 kg de cocaína escondidos em um travesseiro. Indiciada por tráfico de drogas, ela foi levada junto com o bebê para a Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, no Recife.
"Meu marido estava preso por assalto. Me envolvi com o tráfico quando ele estava na cadeia", lembra. Quatro anos depois, Verônica sustenta a casa sozinha (o marido está desempregado) e sonha em abrir o próprio negócio. Em liberdade, ganha cerca de R$ 450 por mês no projeto Dignidarte, que a ajudou não só a deixar a cadeia, mas a não voltar para lá. A ex-detenta faz artesanato em biscuits e já apurou R$ 2 mil em uma só encomenda da Holanda. Além disso, ensina a técnica a mulheres que ainda estão presas.
"Quando comecei, achei que não ia conseguir, mas me identifiquei e hoje amo o que faço", atesta. A diretora do presídio, Ana Moura, comemora a ressocialização de Verônica e de outrasdetentas. "Aqui na colônia, temos um índice de 7% de reincidência, quando no Brasil a taxa é de cerca de 85%. O resgate dessas pessoas só pode ser feito através da educação e da qualificação profissional. O resto é discurso", dispara.
Sem limites para empreender
Antônio (à esq.) abriu uma lan house com ajuda do microcrédito do BNB
Paraplégico desde os 19 anos, Antônio José de Paula, hoje com 45, escolheu trabalhar com uma ferramenta que pode o levar a qualquer lugar: a internet. Em 2005, seu negócio que começou em 1997 como uma locadora de vídeo na cidade de Tuparetama, no Sertão de Pernambuco, transformou-se em uma lan house. "Faço o possível para ficar antenado e atualizar o negócio. Não posso parar", conta, satisfeito com o faturamento mensal bruto de R$ 3,5 mil.
Para ele, o apoio para crescer veio através do financiamento do Crediamigo do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que começou a fazer com um grupo de três pessoas, há cerca de três anos. "Faço empréstimo de até R$ 1 mil porque até esse valor o juro é bem legal e vou renovando em média de seis e seis meses. Com o dinheiro em mãos, posso barganhar, comprando à vista", ensina.
Antônio acredita que a deficiência não foi um entrave. "De forma alguma tive problema por ser deficiente. Eles facilitaram pra mim. Desde a primeira vez, depositam o dinheiro na minha conta, enquanto osoutros tinham que ir à agência, que fica em Sertânia, distante cerca de 60 km", lembra.
Superando as estatísticas
Soropositiva, Sandra faz artesanato
Cinquenta e oito por cento das pessoas que vivem com Aids no Brasil não trabalham. Os dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também revelam que mais de 20% dos 1.260 entrevistados perderam o emprego após o diagnóstico. No Recife, uma mulher supera as estatísticas. Depois de descobrir que tinha Aids aos 32 anos e aos sete meses de gestação, Sandra Beltrão teve a vida revirada pelo vírus.
"Descobri de uma só vez que estava com o vírus e que era traída pelo meu ex-marido", conta. Sandra sentiu o amargor da depressão e do desemprego.
Durante o tratamento, ela conheceu o trabalho da ONG Gestos, onde fez curso de geração de renda e aprendeu técnicas de cerâmica e pintura em tecido. "Hoje, faço cangas pintadas à mão, camisetas bordadas e sandálias e objetos de decoração", conta. O comércio das peças rende uma média de R$ 350 por mês, que a artesã agrega ao Bolsa Família.
Longe das letras, perto dos números
Barraca do Zequinha, em Jaboatão, tem de tudo
Saber ler e escrever é essencial para qualquer atividade empresarial. Verdade? Nem sempre. Dois por cento dos clientes do Crediamigo do BNB são analfabetos. Tomando por base os 494.835 clientes até outubro de 2009, são cerca de 10 mil pessoas que, em tese, teriam grande dificuldade no mercado de trabalho formal e que, com acesso ao financiamento, aumentam as chances de sucesso sendo o próprio patrão.
Neste universo de vitoriosos está José Firmino, 49 anos. Há oito, ele montou, no bairro de Sucupira, em Jaboatão, uma mercearia e um barzinho. A Barraca de Zequinha tem de tudo: mantimentos, bombons, bebida, petiscos.
"Peguei primeiro um empréstimo de R$ 500 para comprar bebidas. Oferecendo mais coisa, melhorou o negócio", revela. Hoje, já foram três financiamentos, todos pagos rigorosamente em dia.
Um caminho mais difícil?
Cerca de treze em cada cem brasileiros desenvolvem alguma atividade empreendedora. A maioria é homem (56%), na faixa etária de 25 a 34 anos (35%) e tem média de renda inferior a três salários (48%). Os números são da pesquisa Empreendedorismo no Brasil. O estudo ajuda a traçar um perfil da atividade que é peça-chave na engrenagem que está movendo a nova economia brasileira, mas não reflete a totalidade deste imenso "Brasil empreendedor".
Entre esses tais 13 brasileiros que buscam autonomia financeira trabalhando por conta própria, estão pessoas fora dos padrões convencionais. Não menos criativos do que os "empreendedores tradicionais", estão pequenos empresários da melhor idade, de baixíssima renda, deficientes, presidiários, soropositivos. Mas será que o caminho do sucesso - nem sempre fácil - é igual para todos?
Para a gestora da orientação empresarial do Sebrae, Conceição Moraes, não há perfil que seja inadequado para começar um negócio, se o empreendedor seguir direitinho a "cartilha" para um bom empreendimento. "O candidato a empresário precisa conhecer a atividade na qual está querendo trabalhar. Analisar o mercado é essencial", ensina.
"O espírito está na pessoa. Se o empreendedor mostra que a sua ideia é viável, ele consegue", opina a diretora da Agência de Crédito, Graça Borges. "O papel dos analistas de crédito deve ser o de avaliar a viabilidade do empreendimento, e não a do empreendedor", completa.
Mas, na realidade, não é sempre assim. O gerente de operações da Agência Nacional de Desenvolvimento Microempresarial (Ande), Jean Gomes, concorda com a relação entre a exclusão do mercado formal de trabalho e as dificuldades enfrentadas também na hora de empreender. "Não podemos desconsiderar o risco da operação, por exemplo, no caso de ex-detentos. Temos vontade de ter ações específicas para este público, mas temos muita dificuldade em conseguir parceiros e financiadores que apostem na causa e dividam a responsabilidade conosco", afirma.
Microcrédito é alternativa
A maior pedra no caminho de quem quer empreender no Brasil é o acesso ao crédito. A baixa renda, o grau de instrução, a idade ou a falta de um avalista que atenda aos rígidos padrões do mercado financeiro tradicional podem fazer com que uma boa ideia continue na gaveta por falta de quem, literalmente, invista nela. Uma alternativa é o microcrédito, destinado à baixa renda e aplicado em atividades produtivas formais ou informais.
E não é só no futuro do empreendedor que o microcrédito faz a diferença. Os negócios que se iniciam desta forma são uma aposta para gerar emprego e renda e fazer o Brasil crescer. De acordo o Banco Central, em agosto de 2009 (dado mais recente), foram emprestados no país R$ 153.593,50 milhões para microempreendimentos.
Onze milhões de homens e mulheres em todo o país trabalham por conta própria. Em Pernambuco, o mercado informal teria - de acordo com o IBGE - 1.216.321 pessoas. Na conta do Sebrae, as micro e pequenas somam 98% do total de empreendimentose 56% da força de trabalho e 20% do PIB no Estado.
Fonte: ASN (http://asn.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=9341833&canal=36)
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