sábado, 30 de janeiro de 2010

O caos do Centro do Recife


Em meio século esgotou-se o fascínio do São Luiz e muito mais

Editorial

Poucas ruas do Recife falam mais da expansão e do embelezamento da cidade na primeira metade do século passado que a Rua da Aurora. E, na segunda metade, mais ainda, com a inauguração, em setembro de 1952, do Cinema São Luiz, apresentado como o mais moderno e mais bonito da América Latina. Mário Melo andou pesquisando e chegou à conclusão de que era, mesmo, o mais bonito do Brasil, ficando para ser passada a limpo a história de que atravessava nossas fronteiras. Mas o fato é que o cinema compôs um cenário novo no Centro do Recife, uma referência a todos que chegavam de fora e, para o resto do Estado, personagem das histórias de grandeza e luxo da capital.

Em meio século esgotou-se o fascínio do São Luiz e muito mais. O fechamento oficial no início de fevereiro de 2007 foi bem mais que o encerramento de um ciclo que fez daquele trecho da Rua da Aurora, início da Avenida Guararapes e Praça Joaquim Nabuco o triângulo mais prestigiado do lazer no Recife - depois das praias, naturalmente. É que naquele pequeno espaço do Centro do Recife estavam quatro salas de projeção que cumpriam rigorosamente o slogan de Luiz Severiano Ribeiro: cinema é a maior diversão. Era, até a chegada da televisão e, sobretudo, dos grandes centros comerciais com suas áreas de lazer climatizadas e seguras, o que não podiam oferecer os espaços centrais da cidade.

Com o fechamento do Trianon, Art Palácio, Moderno e, por fim, do São Luiz, estava decretado o fim do que resistiu do glamour dos anos 50 e 60, mas havia - como há - além disso um processo de degradação que está visível em toda área central da cidade e, emblematicamente, no prédio onde funcionou e agora retorna o São Luiz, e todo seu entorno. O edifício Duarte Coelho, que tomou o lugar da primeira Igreja Anglicana do Recife, é a cara da decadência do centro, mas além do visual tem a enorme bagunça em que se transformou aquela área, um verdadeiro mercado persa tomado pelas carrocinhas, vendedores ambulantes, pedintes, flanelinhas, um assombro para quem está passando, imagine-se para quem quer conferir a programação do novo São Luiz.

Esse problema, acentuado agora com a bela iniciativa de restaurar o cinema e devolvê-lo aos que ainda consideram essa, senão a melhor, uma das melhores diversões, tem a ver com as políticas públicas municipais - se é que existem - voltadas para o centro da cidade. Com a degradação da área e a ausência de propósitos para reformas, fica difícil imaginar que existam essas tais políticas públicas.

Veja-se, por exemplo, a questão do corredor da Martins Júnior, uma velha promessa, fundamental para melhorar um pouco o trânsito e a ocupação caótica entre as Ruas do Hospício e Aurora. Um projeto que iria necessariamente influenciar toda a área próxima ao São Luiz, mas que alcança a maturidade, chega a duas décadas de existência, com muita conversa e nenhum sinal de concretização.

Essa dificuldade talvez se deva exatamente à pouca atenção que se dá à área mais central da cidade, dos bairros de Santo Antonio, São José e Boa Vista, não apenas no que diz respeito à ocupação do espaço, criação das condições de fluidez do trânsito, mas, sobretudo, na criação de uma cultura de preservação e valorização urbanas, o que implicaria em limpeza, segurança, respeito ao lazer, à cultura e à história, do que está cheia a Rua da Aurora, principalmente. Se a administração pública municipal se sente incapacitada de implantar um pequeno corredor como é o da Martins Júnior, e impotente para estabelecer regras de ocupação do espaço urbano numa área tão central e tão importante como é essa em torno do Cinema São Luiz, fica decretada a falência do sistema e a consolidação do caos urbano, em que todos podem fazer o que bem quiserem no espaço público.

Fonte: Jornal do Commercio - PE

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