Há 28 anos o Brasil perdia uma de suas maiores vozes. A Pimentinha Elis Regina, se fosse viva, estaria hoje com 64 anos. Seria ainda a melhor cantora do Brasil? Talvez fosse considerada “careta” para os jovens, “diva” para os que a acompanhavam, um exemplo de postura política para os cabeças da esquerda; o fato é que seu canto a cada disco, cada show, cada apresentação, era sempre melhor que antes. Continua sendo. Ao surgir na Rádio Gaúcha, na década de 50, Elis rapidamente tornou-se a estrela da cidade de Porto Alegre. Foi contratada pela rádio e não demorou muito para que deixasse a capital gaúcha e ganhasse o mundo. Nos tempos de O Fino da Bossa, com apenas 20 anos Elis era campeã de audiência, o maior salário da televisão na época, referência absoluta de bom gosto e inteligência musical.
Recém revelada pelo I Festival da MPB, na TV Record, com Arrastão, a Pimentinha enterrou a Bossa Nova com seu canto visceral e seus gestos exagerados. Nesse tempo (e durante toda sua carreira) conviveu tranquilamente entre seus grandes ídolos e apresentava novos nomes do cenário nacional. Esse foi um dos grandes diferenciais de Elis: através dela foram projetados nacionalmente nomes como Caetano Veloso, Belchior, Gilberto Gil, Renato Teixeira, Ivan Lins, Milton Nascimento, entre tantos outros.
Num artigo de 1997, na Zero Hora, Juarez Fonseca questiona quem seria a “nova Elis”. Essa pergunta continua sem resposta até hoje, pois ainda não apareceu uma cantora que tivesse o domínio técnico, o bom gosto, a postura inteligente, a eficiência na escolha das canções e músicos e a popularidade de Elis em seu tempo.
A baixinha não se deixava enganar pelas tentações do mercado: quando estava despontando numa carreira internacional saiu da Warner – que investia pesado nisso – para entrar para a EMI e cantar o que quisesse. Pouco tempo antes de sua morte, após o sucesso de seu último show Trem Azul, surpreendeu ao assinar com a gravadora “global” SomLivre, num lúcido golpe de esperteza: suas músicas entrariam em novelas, teria um especial de fim de ano na Rede Globo, e dessa forma seu canto invadiria mais e mais as casas dos brasileiros. Elis sabia como usar da máquina e de sua influência para fazer diferença na vida de seu povo.
Muitos de seus planos não puderam ser concretizados: em 1975 queria fazer de Falso Brilhante um grande circo itinerante, mas não conseguia grana, liberações, coisas da “burrocracia” brasileira, e teve que alugar o Teatro Bandeirantes, que lotou durante 14 meses. Queria cantar muita coisa e não podia, pois a ditadura sabia do grande papel que Elis tinha para sua geração e censurava músicas indiscriminadamente. No fim da vida, chegou a falar em gravar um disco com modinhas de Villa-Lobos, o que, no início da década de 80, quando começava o rock brazuca, pode ser considerado uma ousadia. Segundo Natan Marques, seu guitarrista e diretor musical em 1981, Elis gravaria Nos Bailes da Vida (”todo artista tem de ir aonde o povo está”), de Milton Nascimento e Fernando Brant, com uma citação de Something, dos Beatles. Infelizmente morreu cinco dias antes de entrar no estúdio para começar seu novo disco.
Certo é que Elis amou muito. A música, seus colegas, seus filhos, seus homens, seu povo. Quando morreu estava apaixonada, de gravadora nova, num apartamento novo, de namorado novo. Sua carreira foi abruptamente interrompida com sua prematura morte. Não relaciono à Pimentinha a imagem de uma drogada, mas de uma artista que não conseguia mais lidar com a pressão de seu tempo, pois durante quase duas décadas foi porta-voz de sua geração, que cobrava dela uma postura ativa que era abafada pela ditadura. Parafraseando a própria, “entre a parede e a espada” Elis se atirou contra a espada, para entrar no altar dos gênios da música mundial.
Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/bembossa/2010/01/19/28-anos-sem-elis-regina/#comment-379
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